Difícil de acreditar que todas essas palavras fizessem parte de um só ser. Mas refletem nada além do real e são apenas um mínimo resumo do homem que certamente deixará muitas saudades nas muitas vidas que tocou. Prof. Dr. Marcos Tomanik Mercadante - Mercadante, como geralmente era chamado por seus inúmeros aprendizes -, morreu aos 51 anos, no último 2 de julho, após uma persistente batalha de um ano contra um câncer de pâncreas.
Porém, mesmo já doente, conseguiu realizar um sonho que reflete sua mais recente conquista: idealizou e criou em 2010 a ONG Autismo & Realidade, da qual era presidente do Conselho Consultivo. Seu objetivo era difundir os conhecimentos mais atualizados sobre o espectro autista, principalmente para pais, além de apoiar estudos científicos na área.
Desde o início, seu histórico acadêmico e profissional traçara um brilhante caminho: graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), doutorado em Psiquiatria pela USP e pós-doutorado na Universidade de Yale (EUA), da qual continuava colaborador. No retorno ao Brasil decidiu dedicar-se à investigação das raízes biológicas do autismo. Em 2010, foi ganhador do prêmio "Prof. Zaldo Rocha", da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Sua última função foi como professor e doutor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador principal do primeiro Estudo Epidemiológico de Saúde Mental do Escolar Brasileiro do INPD – Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento.
Sem dúvida alguma, foi com seu jeito único de ser que Mercadante marcou de maneira permanente a história do autismo no Brasil. Um dos principais especialistas e pesquisadores sobre o transtorno no país, além de uma das mais brilhantes mentes já conhecidas, ele colocava em evidência sua paixão pela ciência em todos campos de sua vida, sempre com um artigo nas mãos para ler, como dizia seus três filhos – Júlia, 25, Mariana, 22, e João, 13. Foi autor do primeiro estudo de prevalência de autismo na América Latina, realizado com amostragem na cidade de Atibaia, SP, publicado em fevereiro deste ano.
Em 2006 co-fundou a Upia, Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Unifesp-SP, importante centro de ensino, pesquisa e assistência às crianças e adolescentes acometidos ou em risco de desenvolverem transtornos mentais, onde mais de 500 crianças e adolescentes são atendidos por mês. São seis ambulatórios: ambulatório de transtornos do humor; ambulatório geral; ambulatório de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC); ambulatório de transtornos externalizantes, ambulatório de transtornos psicóticos e ambulatório de cognição social, sendo este último sua declarada paixão.
Seu objetivo era multiplicar conhecimento, discutir suspeitas diagnósticas, pensar alto suas incríveis hipóteses (muitas vezes ele mesmo se dizia inspirado no personagem Dr. House da série House) – geniais e quase impossíveis ao mesmo tempo – sobre possíveis causas do autismo, e, por mais improvável que pareça, aprender. Sua humildade era transparente, sempre disposto a assumir que “bobeou”, como dizia, por algum pensamento “errado” que poderia ter tido. Esse traço tão belo de sua existência é um dos muitos que o tornara singular. “Quanto mais aprendemos, mais vemos que sabemos quase nada, não é?”, muitas vezes dissera abismado e pensativo para sua orgulhosa equipe formada por psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas, psicopedagogas, entre outros.
Seu maior sonho era descobrir a causa do autismo. No entanto, enquanto este caminho ainda lhe parecesse tão distante, Mercadante certamente não imaginara que durante sua persistente trajetória, tornara o grande sonho de tantas famílias, profissionais e aprendizes tentar aprender a seguir algo meramente similar aos seus passos brilhantemente inconfundíveis.
escrito por : Isabela Fortes - Jornal do Brasil
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