Foi uma maravilhosa notícia de final de ano a de que o PL 168/11 chegava ao seu curso final com a sanção presidencial.
Sentimos uma TREMENDA alegria, um revigorar de nossas energias, pois sabemos que nossos esforços não foram em vão, e que podemos acreditar “Sim, que é possível” mudar a história de dor e sofrimento das pessoas com autismo no Brasil. E nós mudamos de verdade, fomos nós, pais, familiares, amigos, profissionais dedicados à causa da pessoa com autismo que fizemos a grande diferença.
Gostaria, agora, com a sanção presidencial de nossa Lei, de registrar um breve histórico de nossa luta, e de como nós, principalmente os pais, fizemos a diferença.
Desde 1998, quando meu filho fora diagnosticado com autismo infantil precoce que percebi que quem tinha mais dinheiro é que poderia dar o que havia de melhor no Brasil para seus filhos com autismo, pois o serviço público não oferecia atendimento adequado. Conheci, através da internet, um grupo de discussão dedicado ao autismo (site Yahoo). Neste grupo havia pessoas que organizavam grandes Congressos Nacionais, traziam pesquisadores de grande conhecimento no Brasil e do exterior, mas apesar da relevância desses congressos, infelizmente, eles eram muito caros, longe da realidade da maioria dos lares de pessoas com autismo no Brasil; eles faziam contados com órgãos do governo para viabilizar estratégias para tratar as pessoas com autismo...
Nesta oportunidade, lembro que escrevia para esse grupo do Yahoo relatando os tremendos desafios que as famílias mais pobres tinham para conseguir tratamento, da extrema importância de implantarmos o Diagnóstico Precoce em todos os postos de saúde do Brasil, criar Centros de Diagnóstico e Tratamento Multidisciplinar, além de acompanhamento psicológico para os familiares e educação integrada com profissionais da saúde...
Fazia denúncias de violação dos direitos das pessoas com autismo, como foi o caso da matéria do Jornal Extra do RJ, de 1999, onde uma mãe abandona uma criança de 10 anos com autismo, que não falava, na porta do Hospital Psiquiátrico Pedro II do RJ, por não ter condições de tratar do seu filho; outra do Jornal O Globo, de 16 Jul 2006, com o tema “Meninos do porão”... Dizia que era imprescindível que fizéssemos algo junto à justiça em defesa dessas pessoas e/ou fizéssemos uma lei de amparo e proteção dos direitos das pessoas com autismo.
Como não encontrava apoio na época para essas iniciativas, decidi iniciar sozinho esta Jornada pelos direitos a Cidadania e Dignidade das pessoas com autismo.
Indaguei órgãos do município e estado do RJ procurando onde e como tratar pessoas com autismo, fui informado de que os CAPSis teriam unidades especializadas para eles. Vários pais, eu disse: “VÁRIOS”, informaram que o tratamento nos CAPSis não era adequado, faltavam inúmeros profissionais, os atendimentos não eram freqüentes, contando às vezes com 01 (um) atendimento semanal com duração de 45 minutos. Ouvi de uma mãe a seguinte afirmativa: “quando chove, meu filho vem todo molhado para casa, quando faz sol, ele vem vermelho igual camarão!”; de outra mãe ouvi estarrecido a história de que o seu filho chegou em casa todo picado por formigas, inclusive em suas roupas e por toda parte do corpo encontravam-se formigas vermelhas, naquela mesma noite seu filho teve febre muito alta sendo levado para o hospital... Não havia dúvida alguma para mim de que o “Brasil violava os direitos das pessoas com autismo!”.
Em 2004 fui a Defensoria Pública do Estado do RJ e fiz denúncia de que o nosso estado violava os direitos das pessoas com autismo. Os defensores não sabiam o que era autismo, levei então meus livros sobre autismo, indiquei um Psiquiatra para ajudar no processo (Dr Adailton Pontes), levei 08 (oito) famílias mais humildes, que não tinham condições para pagar os altos custos dos tratamentos para seus filhos com autismo no RJ, para que pudessem depor sobre os TREMENDOS desafios de procurarem tratamento público para seus filhos... Os defensores aceitaram a denúncia e, no dia 31 Mar 05, deu entrada na 9ª Vara de Fazenda Pública do RJ, a Ação Civil Pública com pedido de Tutela Antecipada-ACP, com o n° 2005.001.035541-6, exigindo do Estado do RJ: “Diagnóstico precoce, Tratamento Multidisciplinar, acompanhamento para os pais e educação integrada com a saúde”.
Em 2006 fui a Câmara de Vereadores do Município do RJ e propus ao vereador Márcio Pacheco que fizéssemos uma lei para os autistas. Fizemos a Lei 4.709 que em Nov de 2007 foi aprovada na Câmara de Vereadores por unanimidade e, em seguida, VETADA pelo prefeito da cidade. Derrubamos o VETO do prefeito, mas, em Jan 2008 o prefeito entra com ação na justiça contra a Lei 4.709 (ganhamos em todas as instâncias, porém, a Lei 4.709 está hoje no Supremo Tribunal Federal aguardando para ser julgada).
Em 2007, devido à demora da Justiça do RJ em julgar a nossa ACP contra o Estado do RJ, sugeri a defensoria que, com base no acordo internacional junto a OEA, do qual o Brasil era signatário, para erradicar toda forma de discriminação contra pessoa com deficiência (Decreto Presidencial n° 3956, de 08/10/2001), que fizéssemos uma representação de que o nosso estado VIOLAVA os direitos das pessoas com autismo (RJ). A defensoria acolheu a minha sugestão e prometeu estudar o caso. Em agosto de 2007 a Defensoria Pública do RJ protocolava no Itamaraty denúncia contra o Brasil junto a Organização dos Estados Americanos – OEA de violação dos Direitos das Pessoas com autismo.
Em 2008 protocolei denúncia junto ao Ministério Público Federal de que no Brasil não havia tratamento adequado às especificidades das pessoas com autismo.
Em novembro de 2008 fiz uma carta ao Dep Fed Hugo Leal pedindo audiência pública na Câmara de Deputados para discutir a violação dos direitos das pessoas com autismo no Brasil e sugerir uma Lei Federal de proteção dos seus direitos. Infelizmente, o Dep Fed Hugo Leal disse que não seria possível por estarmos no final do ano de 2008, contudo, a história iria revelar que não era o momento ideal para a Lei Federal acontecer.
Em abril de 2009 escrevi uma carta à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa – CDH, contando as minhas iniciativas, nos últimos 10 anos, em defesa dos direitos das pessoas com autismo de meu estado (RJ); escrevi sobre a Ação Civil Pública – ACP que os pais de São Paulo ajuizaram em favor dos autistas daquele estado, que transitou em julgado no final de 2005; escrevi sobre a luta de pais da Bahia para aprovar a primeira Lei Estadual do Brasil em defesa das pessoas com autismo, a Lei nº 10.553/2007; escrevi sobre a segunda Lei estadual em defesa das pessoas com autismo no Brasil, a Lei nº 8.756, do Estado da Paraíba; escrevi sobre as matérias de jornais e revistas onde autistas eram “enclausurados”, “amarrados”, ou seja, reclusos em suas próprias residências devido a falta de tratamento adequado, resultando na perda de seus direitos fundamentais a uma vida digna junto à família e a sociedade.
Para minha surpresa, a assessora do Senador Cristovam Buarque, que era o presidente do CDH, ligou-me confirmando que o CDH concederia a audiência e que o assunto era muito grave. Disse que eu deveria, por meio de algum senador que não fosse o presidente da CDH, protocolar requerimento solicitando a referida audiência. Eu não conhecia ninguém naquele momento que pudesse fazer isso, foi neste momento que uma mãe me apresentou a Sra Berenice Piana, dizendo assim: “você precisa conhecer a Berenice, vocês juntos poderão fazer muito pelos autistas do Brasil”, e me deu o telefone de contato.
E o resultado não poderia ter sido outro, quis a providência Divina que tudo acontecesse dessa forma. Para minha surpresa Berenice já mantinha estreito contato com o Senador Paulo Paim para solicitar ajuda para os autistas do Brasil. Era tudo o que eu precisava, já que o Sen Cristovam havia concedido a audiência, faltava somente que o Sen Paim fizesse o requerimento. E assim foi feito. Eu e Berenice nos unimos para que pudéssemos viabilizar esta audiência tão importante para os autistas.
Em 24 Nov 2009 aconteceu na Comissão de Direitos Humanos – CHD, audiência presidida pelo Sen Paulo Paim com a presença de mais de 100 (pais) vindos de várias partes do Brasil (AM, CE, PI, BA, GO, SP, RJ, PR, RS, SC), entre eles, alguns que fizeram questão de levar seus filhos autistas. A audiência durou quase 3 (três) horas. Eu entreguei um Dossiê com todos os meus arquivos com denúncias de jornais e revistas, ações na justiça, Leis aprovadas e vetadas em defesa das pessoas com autismo no Brasil, além da representação feita contra o Brasil junto a OEA, fiz uma fala sobre a VIOLAÇÃO dos direitos a cidadania e dignidade das pessoas com autismo no Brasil; a Sra Berenice falou da importância de uma legislação URGENTE para os autistas; a Sra Rita Valéria contou dos tremendos desafios para aprovar a Lei 10.553/07 da Bahia e do sofrimento das famílias daquele estado; nesta oportunidade conheci o Sr Fernando Cotta que também falou de sua luta por políticas públicas para os autistas.
O Senador Paulo Paim ficou extremamente emocionado com tudo o que foi falado. Ao final de nossa “HISTÓRICA AUDIÊNCIA”, determinou que seríamos nós, pais, familiares e associações ligadas aos direitos das pessoas com autismo que iríamos fazer a Lei de proteção dos direitos das pessoas com autismo no Brasil, confiando a nós esta missão.
Fomos informados de que uma associação ligada aos autistas deveria ser a autora do Projeto de Lei. Decidimos que a ADEFA seria a associação escolhida e iniciamos o processo de escrituração da nova Lei. Tínhamos por base a Lei nº 4.709 que eu havia feito no município do RJ, a Lei nº 10.553 da Bahia e a Lei nº 8756, da Paraíba. Tínhamos também as ações civis públicas contra os estados de SP e RJ. Tivemos apoio de vários advogados amigos, da defensoria pública do RJ, enfim, várias pessoas nos ajudaram. O Projeto foi feito e entregue em março de 2010 ao Senador Paulo Paim para que fosse protocolado (link para assistir a carta que enviei ao senador Paulo Paim: http://www.youtube.com/
Fizemos várias viagens para falar do Projeto de Lei dos autistas.
Em 2010 eu fui convidado para falar sobre o PL nº 168/11 no Congresso Brasileiro de Autismo na Paraíba. Neste mesmo Congresso fui questionado se o PL nº 168/11 realmente iria dar certo, eu respondi que ninguém até aquele momento havia tomado a INICIATIVA de propor uma Lei Federal de proteção aos direitos das pessoas com autismo no Brasil, e que, apesar de não fazer parte de partido político, muito menos possuir contatos com membros do governo, acreditava que os pais seriam o GRANDE DIFERENCIAL NESTA LUTA.
Berenice também viajou para falar sobre o nosso PL nº 168/11 em São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Em abril de 2012, eu e Berenice fomos convidados para falar sobre o PL nº 168/11 e sobre os direitos das pessoas com autismo em um fórum em São Leopoldo/RS. Neste fórum foi apresentado um dossiê com o depoimento de 40 (quarenta) famílias do Rio Grande do Sul, contando dos tremendos sofrimentos devido à falta de diagnóstico precoce, tratamento adequado, da falta de uma educação voltada às especificidades do autismo, da falta de escolas especiais para os casos de autismo grave, da falta de locais adequados para que seus filhos fossem atendidos, respeitando a sua condição e do sofrimento de não ter para quem recorrer devido a ausência de políticas públicas específicas para seus filhos com autismo. Eu coloquei alguns depoimentos dos tremendos sofrimentos dos pais de São Leopoldo/RS em vídeo na fan page do PL nº 168/11 e mais de 246.816 pessoas visualizaram esta publicação (link:http://www.facebook.com/
A História da Lei nº 12.764 é muito grande, com certeza não caberia toda ela nesta fan page. Ao longo de nossa luta encontramos tremendas “resistências”, algumas pessoas que não estavam satisfeitas com as nossas “iniciativas” começaram a se articular, procurando meios para criticar algum artigo aqui, outro ali; acredito que apesar de todo o nosso sofrimento para levar esse projeto a frente venceu a DEMOCRACIA, que deve respeitar e ouvir a todos, assim como suas opiniões, mesmo que contrárias.
Acredito que este foi o nosso maior legado, a nossa luta fez com que pessoas INDIGNADAS com a história de DOR e SOFRIMENTO das pessoas com autismo, cansadas de ver a INEFICIÊNCIA do estado Brasileiro para solucionar os graves danos causados aos autistas do Brasil, encontraram em nosso Projeto de Lei 168/11, uma oportunidade SÉRIA de MUDANÇA. Muitas pessoas viram que aqueles que estavam a frente do PL nº 168/11 não tinham outro interesse senão acabar com a dor e sofrimento dos autistas do Brasil!
VENCEU a CORAGEM e DETERMINAÇÃO de Homens e Mulheres que resolveram ROMPER com a falta de iniciativas CONCRETAS e AÇÕES EM FAVOR DOS AUTISTAS DO BRASIL. Lideramos ações, mobilizamos estados e municípios, fizemos o maior movimento da história do Brasil pela luta do RESGATE DA CIDADANIA E DIGNIDADE das pessoas com autismo que se tem conhecimento.
ILUMINAMOS O BRASIL DE AZUL.
O maior monumento brasileiro foi iluminado de azul, e do alto do Corcovado no RJ, de “braços abertos” acolheu e acolhe as pessoas com autismo e seus familiares.
Sim, mudamos a história de dor e sofrimento das pessoas com autismo no Brasil.
Em 2013 escreveremos uma nova história na vida das famílias de pessoas com autismo no Brasil. E serão os pais, familiares e sociedade civil que, a partir desse legado de luta, lágrimas e sacrifícios, irão viabilizar a implementação desta Lei Federal, que sem sombra de dúvidas: FOI O MAIOR PRESENTE QUE OS AUTISTAS BRASILEIROS PODERIAM RECEBER!!!
Quero agradecer ainda aquele que é o autor de toda esta história:
- muito obrigado Senhor Deus por ter permitido que pudéssemos viver esta maravilhosa JORNADA em nossas vidas, esta que foi uma Jornada INESQUECÍVEL, e que marcará as nossas VIDAS PARA SEMPRE!
EU SEMPRE ACREDITEI EM MILAGRES!
E a Lei nº 12.764 é um MILAGRE DO AMOR POR NOSSOS FILHOS COM AUTISMO!
FELIZ 2013 PARA TODOS OS HOMENS E MULHERES DE BOA VONTADE!
Ulisses da Costa Batista
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