Por muito tempo, acreditava-se que pessoas dentro do espectro autista eram raras, uma minoria. Porém, com um trabalho de conscientização intenso, familiares e cientistas conseguiram convencer os médicos e a sociedade de que o autismo não é tão raro assim. Desde então, a prevalência do autismo tem sido motivo de discussão. Dados recentes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) agora mostram que uma em cada 88 crianças nos Estados Unidos são diagnosticadas com autismo (http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/ss6103a1.htm?s_cid=ss6103a1_w). Os números representam um aumento de 23% nos casos entre 2006 e 2008 e 78% de aumento desde 2002. Ainda assim, é possível que o estudo esteja subestimando números reais. Um estudo publicado ano passado mostrou incidência de autismo de um em 38 crianças na Coréia do Sul. É provável que os números no Brasil não sejam muito diferentes dos Estados Unidos, mas ainda não existe um estudo formal feito no país.
Os dados novos de CDC, liberados ao público na última quinta-feira (29), mostra que incidência aumentou entre a população negra e hispânica. A diferença entre sexos é grande, um em cada 54 é a proporção para os meninos, cinco vezes maior que em meninas. Sabemos muito pouco de por que o autismo tem um viés masculino. Algumas hipóteses associam genes duplicados no cromossomo X – do qual as meninas têm duas cópias – como um fator protetivo.
Parte da justificativa desse aumento parece estar associada a uma melhora no diagnóstico e conscientização da população. A idade média de diagnóstico caiu de quatro anos e meio para quatro anos. Porém, muitos pais detectam o problema bem mais cedo, o que sugere que o processo de diagnóstico pode melhorar muito ainda. Uma contribuição ambiental ainda desconhecida também tem sido apontada como um fator que justificasse a alta incidência de autismo nos dias de hoje, mas não existe evidência científica forte o bastante pra apoiar essa idéia. Não importa se estes fatores justificam ou não por completo os números do CDC; de toda forma, o aumento é preocupante e sugere um quadro epidêmico. São mais de 1 milhão de crianças afetadas, com um custo anual de US$ 126 bilhões nos Estados Unidos.
Infelizmente, por trás de toda essa estatística, estão familiares e pacientes, que se esforçam todos os dias para lidar com a condição. A preocupação com o futuro dessas crianças é justificável e a luta para torná-los independentes começa cedo. Erra quem pensa que isso é um problema das famílias dos pacientes apenas. Crianças são as maiores riquezas de um país e preservar os cérebros delas é garantir o futuro competitivo. Ignorar o problema é a pior coisa que um governo pode fazer. A isenção da iniciativa privada também preocupa. Custos com seguros saúde vão aumentar drasticamente, afetando a produção daqueles que cuidam de crianças autistas, por exemplo. Com esse tipo de prevalência na população é difícil de encontrar quem não seja, direta ou indiretamente, afetado pelo autismo.
Em tempos de crise, a história tem mostrado que o incentivo a pesquisa na área é o que, em geral, leva à solução do problema. Jovens adultos e crianças da atual geração nunca devem ter ouvido falar de poliomielite ou pólio. Isso porque a epidemia de pólio, que deixou milhares de crianças e adultos paralizados por volta de 1910, foi erradicada a partir de iniciativas como a “Corrida contra o pólio” nos anos 50, que investiu pesado na busca científica da “cura” do problema. Pólio continua sem cura, mas foi erradicado da maioria dos países através do financiamento de uma vacina, originada numa polemica pesquisa do médico Jonas Salk.
O mundo é formado, em sua maioria, por pessoas conformadas, e por uma minoria de pessoas que não se conformam. São os conformados que nos trazem conforto nas horas mais difíceis, que nos ensinam a aceitar as situações como são e agradecer por aquilo que temos. São os conformados que vão te dizer que o autismo não tem solução, que não há o que fazer. Mas são os inconformados que transformam nossa perspectiva e que fazem o mundo melhor. Acho que o quadro de autismo atual pede um plano nacional de ataque, a criação de um centro de excelência em autismo brasileiro, formador de profissionais qualificados e com pesquisada cientifica de ponta com colaborações internacionais. Será preciso reunir pais, políticos, terapeutas, médicos e cientistas inconformados e que estejam dispostos a lutar por dias melhores.
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